“Na Estrada do Céu estão as linhas que apenas os Aeons podem ler”
Monsieurs, dou início ao encontro de hoje com esta frase do Navegador Guthierre Malter, o primeiro homem de Belchiora a pisar na região de Andina. Guthierre dedicou sua vida inteira a desbravar os segredos desta terra virgem de conhecimento, fazendo contato com nativos que muito lhe ensinaram sobre as tradições da região. Devido ao prestígio que conquistou entre os indígenas, ele foi um dos poucos estrangeiros a receber a honra de pisar no lugar sagrado chamado de Estrada do Céu. Nesta planície deserta, aqui ao norte das montanhas como podem ver no mapa, estão gravados grandes pictogramas que podem ser vistos apenas de um balão a grande altitude. Eles representam tanto figuras antropomórficas como animais, além de formas geométricas complexas, como estes círculos sobrepostos que desenhei na parte esquerda da lousa.
Sim, meus queridos alunos, estes últimos lembram os círculos rituais utilizados para estudar os movimentos planetários em antigas culturas, bem como os próprios círculos mágicos que vocês utilizam em uma infinidade de conjurações. A questão é: as dimensões alcançadas por estes desenhos na Estrada do Céu tornam improvável sua execução por uma cultura primitiva, que não dispusesse de meios para observar o progresso do trabalho enquanto era realizado. E esta não é a única característica peculiar de Andina, como vocês irão notar mais a frente.
Infelizmente, caros aprendizes, Guthierre desapareceu na sua última viagem a mais de cem anos atrás, em algum lugar nos Mares do Sul. Relatos incertos da época dão conta de que ele havia encontrado um grande templo escondido em algum ponto desta região escura, chamada de Selva dos Sussurros. Vocês podem ter ouvido falar de muitas lendas a respeito deste desaparecimento, sobre a descoberta de uma cidade inteira feita de ouro, ou sobre o roubo do olho esquerdo da Morte. Estas histórias podem ser exageradas, mas dão o indício de que Guthierre fez uma importante descoberta em Andina. Uma descoberta que infelizmente continuará oculta até que possamos encontrar o que restou de sua derradeira aventura.
As cartas de navegação do Capitão Malter são talvez a única fonte de informação confiável sobre as civilizações que testemunharam ou participaram na construção da Estrada do Céu. Andina possui atualmente vários grupos indígenas, e ainda é discutido se todos eles descendem de um mesmo ancestral em comum. A Selva dos Sussurros é lar de pelo menos três tribos conhecidas de humanoides. Além da população de homens-pássaro que se auto-denomina Krokan, temos dois grandes grupos humanos: as tribos Obsidiana e Turquesa. Estas duas últimas demonstram uma perícia refinada em seus trabalhos com argila, pedra e metais preciosos. Elas também possuem raízes profundas de conhecimento místico, especialmente no que diz respeito à necromancia.
Também temos uma cultura bastante desenvolvida nas montanhas, o chamado Povo do Sol. Eles se dizem o mais nobre dentre os povos de Andina, e são os únicos a ter uma capital conhecida: Chakana, a também chamada Cidade do Lago. É triste que nos últimos anos as pesquisas no lugar tenham sido quase impossíveis, devido a presença de colonos de Windlan que estabeleceram acampamentos na região. Os windleses, como seria de se esperar, dão pouco valor à rica fonte de conhecimento antigo do Povo do Sol, estando mais interessados em explorar suas grandes reservas de ouro e prata. E eles são incapazes de perceber um dos maiores mistérios de Andina, aquilo que torna esta região tão única em termos arqueológicos.
Há algo nos detalhes da cultura de Andina que muito me intriga, uma constante de elementos que me faz estabelecer um paralelo com um único lugar: a Cidadela de Theocratia.
O que estou querendo dizer é que no cerne das antigas culturas de Andina, dentro de sua arquitetura e organização religiosa, há estranhas coincidências com aquilo que sabemos da Cidadela dos Deuses. A influência do movimento dos astros, a presença de entidades com cabeças de animais, os complexos processos de preparação para o pós-vida, tudo leva a crer que existe alguma ligação entre a cidade sagrada dos Reis Sacerdotes e esta região montanhosa e isolada do resto do mundo.
Por muito tempo acreditamos que o Império de Theocratia havia se limitado à região que hoje corresponde ao norte de Arthaban e oeste de Balthazir. A magia dos Reis Sacerdotes era voltada para suas cerimônias, para a defesa de seu território e para a manutenção política. Apesar de possuírem grandes poderes divinatórios, nunca pareceram demonstrar interesse no que existia além dos horizontes do mundo conhecido na época. Muitos estudiosos acreditam que eles não chegaram sequer a desenvolver o uso de portais e outros meios de transporte pelo Aether, satisfeitos como estavam com os vastos domínios que possuíam.
A cada dia que se passa estamos mais certos de que eles estão enganados. Há evidências cada vez mais fortes de que Theocratia estabeleceu contato com outras culturas, e Andina é a maior prova disso. Mas, mesmo que possamos comprovar este intercâmbio milenar, ainda resta outra questão a ser esclarecida: o que exatamente motivou os emissários da Cidadela dos Deuses a viajar até um ponto tão remoto, escolhendo uma dentre tantas outras culturas que povoavam o mundo?
É neste momento, monsieurs, que voltamos para a Estrada do Céu e suas peculiaridades. Alguns dos descendentes de colonos que ainda vivem nas ilhas dos Mares do Sul guardam consigo objetos remanescentes das explorações de Guthierre. Entre eles estão alguns fragmentos de rocha coletados durante a visita do Capitão ao local sagrado. Durante a análise geológica destes fragmentos, nos deparamos com algo incrível. O deserto que recobre a Estrada do Céu possui resíduos de materiais não encontrados em nenhuma outra parte do mundo, elementos tão diferentes que nem sequer podem ser identificados ou classificados. Alguns deles são tão voláteis que desaparecem ao serem expostos ao ar, outros são tão resistentes quanto diamantes, e parecem estar lá a milhares de anos. O ponto onde quero chegar, caros alunos, é que a Estrada do Céu pode ser a porta de entrada para outros mundos.
Sim, vocês podem achar essa ideia absurda agora, mas há outras evidências que podem provar o que estou falando. Nas geleiras de Tekelili, a parte sul de Andina, foram encontrados artefatos que não pertencem a nenhuma cultura conhecida até então. Eu mesmo pude pôr as mãos em uma esteatita lapidada, de manufatura Pré-Teocrática. Acredito que ainda haja muito mais a ser desenterrado naquele lugar inóspito, onde uma parte importante da história de Keleb pode estar escondida.
O mais provável é que a Estrada do Céu contenha algum tipo de falha na sutil trama que separa nossa realidade das demais. E não estou falando apenas dos níveis de consciência aos quais estamos habituados, meus caros estudantes. Estou falando de mundos palpáveis, e até universos inteiros como o nosso, espalhados pelo Aether em um mosaico infinito. Se Theocratia estava atrás disso, então eles talvez estivessem buscando a Fonte de origem dos Aeons. Outra possibilidade é que eles estivessem tentando deter uma incursão de Horrores Antigos, que como sabemos não fazem parte de nossa realidade e existem para além do Aether. Talvez ambas as hipóteses estejam corretas, mas como já disse são apenas hipóteses, e apenas um estudo mais aprofundado poderá trazer à luz estas questões.
No próximo mês, quando os assistentes escolhidos estiverem partindo comigo rumo a Tekeli no navio do Sr. Gunnarson, quero que tenham isso em mente. Estaremos explorando um lugar que pode desvendar não apenas segredos de Keleb, mas de todo o nosso universo e provavelmente de outros mundos, sobre os quais nada sabemos.
Nos veremos na semana que vem monsieurs, onde teremos uma discussão mais aprofundada sobre as viagens de Guthierre Malter. Estudem os diários e biografias que estão na biblioteca. Bonne nuit, e quando estiverem voltando para casa prestem atenção nas estrelas, tentando imaginar quantas coisas podem existir no espaço entre elas.