Chamas saltavam tentando alcançar as estrelas quando ela surgiu entre as varandas e os arcos de pedra. Era noite de festival, e todos os demônios de Port Vert estavam dançando na multidão. Entre malabares de fogo e sombrinhas de renda ela serpenteava, queimando em desejo. Clarinetes e violoncelos tentavam acalmar seu coração, mas ele estava tão seco quanto sua garganta. Quando finalmente avistou a garota com cabelos carmesim, a lua minguante sorriu iluminando o caminho sobre os telhados de estanho. A brisa trazia até ela seu perfume, uma poção do amor com cheiro de terra. Deslizando e rodopiando por entre arlequins mascarados e capitães embriagados, ela a alcançou sobre uma ponte, acima de um desfile de sereias e barcos enfeitados. O leque de penas brancas da moça cobriu seu rosto em um gracejo, deixando apenas a máscara de longo bico espiar como um pássaro gracioso. Com os olhos faiscando por trás da própria máscara, ela se aproximou em um cortejo elegante, os cabelos brancos brilhando como escamas ao luar. Quando seus dedos morenos enfim se entrelaçaram com os da dama, um movimento rápido a trouxe para perto de si, e as duas saltaram para a noite que se refletia nas águas espelhadas.

 

Na outra noite que também festejava além da fronteira, serpentes arco-íris sopravam lufadas de brumas coloridas enquanto bandas de esqueletos tocavam uma marcha animada. Nas margens da água turva vinham se sentar os sapos enfeitiçados com suas asas de morcego, juntando suas lamentações à música do outro mundo. Tomando sua convidada pela mão, ela a conduziu até as ruelas que se contorciam e ondulavam, entre bailes de zumbis e cabarés fantasmas. A noite inteira ela e a garota de cabelos vermelhos dançaram e celebraram a vida nas encruzilhadas dos mortos, cavalgando em carrosséis de ossos e passeando nos barcos estígios com seus motores movidos a almas, rindo dos peixes-demônio que tentavam atraí-las balançando suas lanternas como fogo-fátuo. Quando a sorridente caveira de crocodilo na proa do navio finalmente assoviou seu vapor esmeralda, o jardim se estendia diante delas, com lírios vodu exibindo seu púrpura no portão. A garota de cabelos carmesim já não tinha medo de atravessá-lo, pois seu coração não mais se sentia triste e solitário. Com um beijo apaixonado ela se despediu e prometeu voltar para visitá-la, sempre que a música dos festivais mais uma vez se unisse em uma única e alegre sinfonia.

 

Quando a manhã chegou sobre os gramados escuros no jardim, ela passeou entre as casas de seus protegidos, se certificando de que todos haviam voltado em segurança e estavam dormindo. A garota de cabelos carmesim ainda estava sentada sobre seu leito, e sorriu com cumplicidade em um último aceno antes de ir se deitar, sob o olhar cuidadoso de seu anjo de pedra. Nunca mais voltaria para as águas onde havia se afogado, nem para a ponte onde havia se chocado enquanto dançava sobre um dos barcos a vapor do desfile. Repentinamente, uma lenta marcha de trombones quebrou o silêncio, e olhando para trás ela viu uma das krewes do festival trazendo sua rainha numa caixa forrada em veludo. Dobrões e contas douradas ainda adornavam seu corpo, como enfeites no sarcófago de uma imperatriz. Poderia governar com toda pompa no além agora, mas primeiro sua alma precisaria ser salva da taverna ainda em brasa, onde tentava terminar sua última garrafa da noite anterior. Era isso que ela iria fazer na próxima noite de festa, quando a música animada da procissão que agora seguia de volta para as ruas mais uma vez fizesse com que tanto os vivos quanto os mortos de Port Vert deixassem suas moradas para celebrar e relembrar, na cidade em que as máscaras tornavam todos iguais.