A luz esbranquiçada das lâmpadas a gás brilhava fantasmagórica no restaurante ocupado por cavalheiros e damas de classe. Uma canção indecente saía arranhada do gramofone em forma de sereia, a cauda servindo de amplificador e um dos dedos de agulha. Foi quando o primeiro entrou. Poderia ter passado despercebido com seus trajes de viagem formais, não fosse a pele avermelhada e os traços de um nativo do Povo do Céu. Era jovem, nascido não mais que duas dúzias de invernos atrás, e caminhava confiante até uma mesa na varanda dos fundos. Ali, diante do parapeito que dava para o mar cinzento, um homem elegante de olhos claros e barba castanha comia um caranguejo gigante acompanhado de mercadores ricos do oriente, junto com toda sorte de gente que tinha tempo e dinheiro para servir de enfeite em um evento social. Dois autômatos de guarda se levantaram para receber o recém-chegado, mas o homem na mesa sequer virou o rosto quando escutou ele falar.

-Sou Kisecaw Chuck, terceiro filho de Ahtahkakoop. Sua companhia de mineração invadiu nossas terras e meus irmãos passam fome. Foi um caminho longo e difícil para chegar até aqui.

Os dois guardas mecânicos se aproximaram para retirar Kisecaw. Os reunidos resmungavam sobre o inconveniente enquanto o homem respondia incomodado a acusação.

-Olhe rapaz, eu tenho permissão da Coroa para explorar aquela área. Sinto muito por sua família, mas não vou negociar.

-Eu não vim negociar.

Três disparos, nenhum tempo para reagir. Sangue, fumaça e engrenagens se espalhando no ar. O cano longo da arma de Kisecaw fumegava e as miçangas de seu coldre ornamentado balançavam enquanto os dois autômatos se desequilibravam ao chão e o dono da companhia de mineração tinha a cabeça jogada para trás com o impacto do tiro. Foi quando o segundo entrou. Todos ainda olhavam atônitos para o homem que acabara de ser morto quando a claraboia do restaurante explodiu em uma chuva de brasas e cacos de vidro. Um homem gigantesco caiu por ela, de pintura de guerra nos olhos e chifres de touro nos cabelos trançados. Era Masichuvio, o Guerreiro Vaga-Lume do Povo do Céu. Seguranças, capangas e idiotas que não podiam perder uma briga partiram para cima do invasor, e ele os recebeu com seu par de machadinhas enfeitiçadas, deixando um rastro luminoso de fogo a cada golpe amplo que desferia na multidão enquanto abria caminho.

-Mas o que diacho está acontecendo aqui? – disse uma voz autoritária seguida pela silhueta de um homem em uniforme militar escancarando a porta dupla do restaurante – Abriram as portas do inferno?

O Xerife Conroy ajustou o chapéu sobre sua cabeleira branca e rala, enquanto seus homens se posicionavam a seu lado e engatilhavam os mosquetes. Foi quando o terceiro entrou. Saindo da cozinha, o rapaz de moicano e corpo coberto de pinturas caminhou tranquilo entre o pandemônio de clientes fugindo, mesas virando e garrafas quebrando. Era Ourayi, o Caçador de Bruxos nascido no Bayou. Se posicionando na varanda junto com Masichuvio, ele ergueu a arma que trazia: um simples arco e flecha, e disparou um tiro de aviso diante dos pés do xerife.

-Seus comparsas vão precisar de mais que um graveto para salvar sua pele dessa vez, Kisecaw! – disse o Xerife com um sorriso.

-Permissão para falar, senhor! – anunciou um dos soldados com uma expressão nervosa.

-Permissão concedida, rapaz!

-Tem uma dinamite amarrada na flech…

Estrondo, gritos e fogo.  A explosão arrebentou as vidraças do restaurante e fez o chão tremer enquanto os três companheiros saltavam para o mar. Logo as bombas totêmicas deixadas por Masichuvio e Ourayi no lugar detonaram em uma reação em cadeia, fazendo todo o estabelecimento ir pelos ares. O aviso estava dado, e eles podiam agora retornar para as suas terras, onde estariam preparados para a guerra.